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      Resenha Tática
      Carlos Ramos

      Menotti e uma ode à nossa identidade

      2024/05/07
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      Seja no 4-2-4 ou no 5-3-2, através de jogo de posição ou jogo funcional, respeitando as diversas formas de ver o futebol. Acreditando sempre na beleza do jogo, e nas diversas interpretações do mesmo. Falo de tática tentando fugir do professoral, mas sempre buscando ir além. Como em uma conversa de bar. Sem espaço para a saideira.

      Nas últimas décadas, os europeus repetiram, no futebol, um comportamento que deixou a América Latina com "as veias abertas", como diria Eduardo Galeano. Numa metáfora do esporte, levaram nosso "ouro" para o outro lado do oceano. A América Latina passou a ser vista como um mero produtor de matéria prima para as grandes ligas. Apesar de não deixar de ser verdade, a visão apagaria, também, o brilho de figuras revolucionárias, como Cesar Luis Menotti. 

      O complexo de vira-lata, tão citado por Nelson Rodrigues décadas atrás, faz parte de uma identidade nacional que, talvez, não se limite ao brasileiro, como previa seu autor. No resto da América Latina, enquanto exportávamos nossos craques, ao mesmo tempo tentávamos jogar como os europeus. Ceifamos, então, o que temos de melhor nos nossos jogadores: o lado inventivo, criativo, habilidoso, tudo aquilo que os europeus veem de diferente por aqui e querem levar para lá. 

      Menotti sempre foi contra. Personificação da boêmia argentina, defendia: "minha preocupação é que nós, técnicos, não confisquemos o direito de fazer do futebol um espetáculo, em favor de uma leitura filosófica que não pode ser sustentada, que é a de evitar correr riscos. Porque a única maneira de não correr riscos é não jogando". 

      O treinador argentino via além do resultado. "Em um campeonato de 30 clubes, existem 29 que devem se perguntar: o que eu deixei para este clube, o que trouxe aos meus jogadores, que possibilidades de crescimento os ofereci?". 

      Adepto do jogo ofensivo, encantou a Argentina com o título do Huracán em 1973. Assumiu a seleção argentina em 1974, foi campeão do mundo quatro anos mais tarde e, em seguida, foi o treinador que abriu as portas da seleção para Diego Armando Maradona, mesmo que as tivesse fechado para a Copa de 1978. Foi o melhor técnico que poderia receber, de braços abertos, um dos maiores gênios que o futebol sul-americano viu. Menotti ainda fez o mesmo a Maradona anos mais tarde, como técnico do Barcelona. Foi admirado, também, na Espanha. E respeitado na Europa. 

      "Na América do Sul, durante muitos anos, se acreditou que o futebol deveria nascer dos pés dos jogadores, e não é assim. O futebol nasce da cabeça. A inteligência é o mais importante. E aí, estava Menotti", disse o técnico italiano Arrigo Sacchi, ao jornal La Nación. Sacchi era fã do "Futebol Total" de Rinus Michels e foi um técnico revolucionário na Itália. Nunca escondeu a admiração a Menotti. 

      Sacchi é apenas um dos grandes técnicos europeus que admirou Menotti. Pep Guardiola, sempre que ia para a Argentina, tinha que se sentar com Menotti para conversar sobre futebol, pedir conselhos e ouvir as opiniões do técnico argentino. 

      "Para mim, era um gênio pela ideia que tinha. Foi o maior sedutor argentino. Escutá-lo era uma aula. Cesar era tudo... Engenho, educação, inteligência. Transformava suas palavras em poesia e sempre foi fiel às suas convicções. O estilo é inegociável, dizia sempre", relatou Pep Guardiola ao diário argentino Olé

      O que fez Sacchi em Milão e o que faz, até hoje, Pep em Manchester tem conceitos que Menotti um dia usou tão bem. Da tática dentro de campo, o jogo de aproximação, de valorização de posse de bola, até as ideias apresentadas fora das quatro linhas, com um conceitual que busca transmitir uma identidade, e não apenas ganhar um jogo. "O estilo é inegociável", não se esqueça. 

      Menotti nos faz lembrar que fomos, e podemos ser, referência como escola. Como Telê encantou o mundo com a seleção de 1982, e o Fla, de Zico, fazia o mesmo. Como Zagallo revolucionou o jogo como atleta e técnico. Como Helenio Herra, supercampeão na Itália. Como Óscar Tabárez tanto nos ensinou. Como Bielsa nos mostrou que ser "louco" faz parte, também, de nossa identidade. Viva a nossa identidade!



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